segunda-feira, 21 de maio de 2012


REGRESSÃO DE MEMÓRIA

      O esquecimento do passado constitui verdadeira misericórdia de Deus para com suas criaturas, porquanto faculta o recomeço em novo corpo sem a carga das lembranças tormentosas resultantes dos feitos negativos perpetrados em existências passadas. Outrossim, favorece com o olvido das atividades nobilitantes e dos afetos especiais que hão constituído emulação para o próprio progresso.

      A recordação das ocorrências danosas acarretaria, sem dúvida, uma alta carga de sofrimento derivado do remorso, que dificultaria o prosseguimento dos compromissos elevados. Em consequência, poderia tornar-se um motivo de desânimo gerador de estímulos prejudiciais para o abandono dos deveres ou o medo de enfrentamento dos novos desafios. Ademais, a lembrança detalhada de determinados fatos traria à memória a presença de cômpares igualmente comprometidos, ou pessoas outras vitimadas, ou ainda responsáveis pelo desar, assim aumentando a animosidade em relação a esses últimos.
     
      Por outro lado, a revivescência dos momentos gloriosos, das afeições especiais se, de uma forma, pudesse transformar-se em emulação para a continuidade do esforço, faria correr o risco de eleições especiais em detrimento de novas vinculações afetuosas, o que diminuiria o círculo de crescimento fraternal na busca da imensa família universal.


      Merece ainda considerar-se que a carga das lembranças da existência atual constitui já um grave comprometimento. Caso se adicionassem aquelas que provêm de experiências transatas, por certo perturbariam o mecanismo homeostático ou de equilíbrio do indivíduo, em razão de não ser possível suportar-se a soma de emoções que ultrapassam a capacidade de resistência fisiopsíquica.

      O organismo humano é portador de um limite de energia própria para suportar emoções e sensações até certo ponto que, superado, se transforma em desajuste dos seus sutis equipamentos psíquicos, produzindo lesões irreversíveis. Por essa razão, muitos seres interexistentes, que convivem simultaneamente nas duas esferas da vida – a material e a espiritual – quando não são moralizados ou não conseguem harmonizar o comportamento com a estrutura psíquica, derrapam em alucinações, em distonias nervosas e mentais de difícil recuperação durante a existência.
     

      O ser humano, apesar de ainda deter-se em faixa mais fisiológica do que psicológica, mais na sensação do que na emoção, já vem granjeando valores que lhes facultam liberar-se de algumas das constrições impostas pelos atos infelizes das reencarnações anteriores, que lhes pesam na economia íntima, gerando sofrimentos rudes, distonias afligentes e problemas outros na área dos relacionamentos interpessoais, dos conflitos sexuais, dos desafios econômicos e financeiros, levando-o a maiores descalabros quando não a fracassos muito perturbadores.

      Tendo-se em vista que as Divinas Leis são de justiça, mas também de amor, cumpre que sejam restabelecidos os códigos de honra que foram desrespeitados e sejam recuperados os níveis de harmonia que os atos inditosos produziram.

      A reparação dos erros é, por isso mesmo, inevitável, não sendo necessário de forma inexorável que essa recuperação se dê exclusivamente através do sofrimento.
Jesus lecionou que o amor cobre a multidão dos pecados, e, diante da mulher equivocada que lhe lavou os pés na casa de Simão, dominada pela ternura e pelo arrependimento da existência insensata que se permitia, liberou-a de maiores sofrimentos, confortando-a com a sugestão dignificadora: - Por muito amardes, teus pecados são-te perdoados!.

      Certamente não a liberou das consequências dos atos insanos, porque essas viriam naturalmente como resultado do mau uso do livre-arbítrio. Demonstrou-lhe que através do amor pode a criatura reabilitar-se de quaisquer ações nefandas que se haja facultado, desde que se empenhe na reabilitação, que é a grande meta de todo aquele que busca crescer e ser feliz.


      Assim, desde os primórdios da fenomenologia mediúnica e parapsicológica os investigadores da psique humana detectaram que, nos seus arquivos atuais se encontram os registros dos comportamentos passados que, de certo modo, estão a ditar-lhe novos procedimentos ou repetições de gravames que se insculpiram como agentes de perturbação.

      Nos processos de ecmésia ou recordações espontâneas de vidas passadas, ou mesmo mediante o concurso da hipnose, é possível reviver-se experiências esquecidas, mediante cujo concurso se pode explicar um sem número de ocorrências atuais.

      Por outro lado, firmados nas infinitas possibilidades dos arquivos do inconsciente atual como do profundo, nobres psicanalistas encontram nas ocorrências da vida perinatal a causalidade de muitos traumas, fobias, complexos de inferioridade e superioridade, narcisismo, perturbando a conduta de seus pacientes. Através dos recursos hábeis para esse fim, vêm realizando incursões exitosas, graças às quais, liberam muitos sofredores dos seus tormentosos estados dalma, limpando-os das marcas neles gravadas.

      Quando não encontrando essas causas de desajustes na fase atual nem na infância dos enfermos, foram estimulados a recuar a sonda da investigação e chegaram aos processos mais profundos dos registros, aos arquétipos coletivos, que nada mais são do que reminiscências das outras reencarnações, encontrando ali os fatores responsáveis pelos distúrbios que ora os inquietam.

        Identificando as causas, trabalharam terapeuticamente nos seus efeitos e contribuíram para que muitos outros sofrimentos enigmáticos cedessem lugar à conscientização das mesmas, superando-as, através do repetir dos fatos, sob o auxílio e orientação que demonstram já terem tido lugar e não mais deverem prosseguir emitindo ondas devastadoras sobre o psiquismo atual.

      É claro que, em tais evocações sob hipnose ou indução mais suave, o paciente não recorda plenamente a reencarnação anterior, senão é orientado a encontrar o fator que detona o problema e que nele mesmo se encontra ínsito. À proposta desafiadora o inconsciente responde com as matrizes danosas, facultando a revivescência do mesmo e a consequente liberação de suas cargas malévolas.

      É claro que o assunto apenas está começando nessa área e muito se há de estudá-lo, a fim de bem penetrá-lo, evitando-se que novas recordações aumentem o somatório do que já existe no consciente, correndo-se o risco de produzir-se inarmonia homeostática.

     Ademais, nem todos os pacientes que forem objeto de recordações por tal processo se liberarão dos efeitos danosos dos atos infelizes, isto porque se fazem necessárias a mudança de comportamento para melhor, a alteração dos planos mentais identificando deveres esquecidos ou novamente desrespeitados, que constituirão recurso reparador, liberação dos resultantes cármicos.

      A conscientização da responsabilidade do ser humano perante a vida é-lhe valiosíssima terapia para a conquista da saúde física e mental, sobretudo para a realização moral, cujos pródromos de atividade nem sempre feliz se encontram nos painéis da mente profunda, nos alicerces do inconsciente espiritual.

      Qualquer incursão, no entanto, nesses domínios, sem orientação competente e especializada, destituída de objetivos nobres, animada por curiosidade ou frivolidade descabida, sempre resulta em desastre, isto é, em imprevisível sucesso muitas vezes de sabor amargo.

      O ser humano é a medida de si mesmo. Autoconhecer-se, penetrando-se cada dia com o esforço para a identificação de sua realidade atual como passada, constitui o grande desafio que está aguardando resolução firme e dedicação contínua de cada qual.

      Todo investimento de amor e de interesse pela auto-iluminação deve ser aplicado em favor do processo evolutivo, de forma que não cesse o anelo pelo crescimento interior, pela ampliação dos recursos ético-morais e intelectuais, produzindo sem cessar para o bem e para a vida, na qual irrefragavelmente se encontra incurso.

Ângelis, Joanna de. Dias Gloriosos. Regressão de Memória. Salvador, Leal, 1999. p 153-160.





domingo, 6 de maio de 2012

SEGUNDA CONFERÊNCIA - OUSPENSKI


Como já disse, existem quatro estados de consciência possíveis para o homem: o “sono”, a “consciência de vigília”, a “consciência de si” e a “consciência objetiva”, mas o homem vive apenas em dois desses estados, em parte no sono e em parte no que às vezes se denomina de “consciência de vigília”; é como se possuísse uma casa de quatro andares, mas só vivesse nos andares inferiores.

O primeiro dos estados de consciência, o mais baixo, é o sono. É um estado puramente subjetivo e passivo. O homem está rodeado de sonhos. Todas as suas funções psíquicas trabalham sem direção alguma. Não há lógica, não há continuidade, não há causa nem resultado nos sonhos. Imagens puramente subjetivas, ecos de experiências passadas ou ecos de vagas percepções do momento, ruídos que chegam ao adormecido, sensações corporais tais como ligeiras dores, sensação de tensão muscular, atravessam o espírito sem deixar mais que um tênue vestígio na memória e quase sempre sem deixar sinal algum.

O segundo grau de consciência aparece quando o homem desperta. Este segundo estado, o estado em que nos encontramos neste momento, quer dizer, no qual trabalhamos, falamos, imaginamos que somos seres conscientes, denominamo-lo frequentemente de “consciência lúcida” ou “consciência desperta”, quando na realidade deveria ser chamado “sono desperto” ou “consciência relativa”. [...]

Aqui é preciso compreender que o primeiro estado de consciência, o sono, não se dissipa quando aparece o segundo estado, isto é, quando o homem desperta. O sono permanece, com todos os seus sonhos e impressões; só que para a pessoa, ao sono, se acrescenta uma atitude crítica para com suas próprias impressões, pensamentos mais bem coordenados e ações mais disciplinadas. E, em decorrência da vivacidade das impressões sensoriais, dos desejos e dos sentimentos – em particular do sentimento de contradição ou de impossibilidade, cuja ausência é total no sono -, os sonhos tornam-se invisíveis, tal como a lua e as estrelas tornam-se invisíveis à claridade do sol. Porém, todos estão presentes e frequentemente exercem sobre o conjunto dos nossos pensamentos, sentimentos e ações, uma influência cuja força supera, às vezes, a das percepções reais do momento. A esse respeito devo dizer que não me refiro aqui ao que, na psicologia moderna, se chama “subconsciente” ou “pensamento subconsciente”. […]

Esses dois estados, o sono e o sono desperto, são os dois únicos estados em que vive o homem. Além deles, o homem poderá conhecer dois outros estados de consciência, mas estes só lhe são acessíveis depois de dura e prolongada luta.

Esses dois estados superiores de consciência são denominados de “consciência de si” e “consciência objetiva”.

Admite-se geralmente que possuímos a consciência de si, que somos conscientes de nós mesmos no instante que desejarmos; mas, na realidade, a “consciência de si” é um estado que nós nos atribuímos sem o menor direito. Quanto à “consciência objetiva”, é um estado do qual nada sabemos.

A consciência de si é um estado no qual o homem se torna objetivo em relação a si mesmo e a consciência objetiva é um estado no qual ele entra em contato com o mundo real ou objetivo, do qual está atualmente separado pelos sentidos, pelos sonhos e pelos estados subjetivos de consciência.” […]

Na realidade, a aquisição da consciência de si supõe um trabalho árduo e prolongado. Como poderia um homem submeter-se a tal trabalho, se pensa já possuir a própria coisa que lhe prometem como resultado de um trabalho árduo e prolongado? Naturalmente, o homem não empreenderá esse trabalho e não o considerará uma necessidade, enquanto não tiver adquirido a convicção de que não possui nem a consciência de si, nem tudo o que com ela se relaciona, isto é, a unidade ou a individualidade, o “Eu” permanente e a vontade.


P.D.Ouspenski, Psicologia da Evolução Possível ao Homem, p 17-21.