sábado, 14 de julho de 2012


CONSCIÊNCIA DE CULPA


      Os atos praticados durante a existência física insculpem-se de tal forma nos painéis mentais do espírito, que permanecem vigorosos mesmo depois do fenômeno orgânico da desencarnação.

      Naturalmente aqueles que mais geraram aflição predominam com mair rigor, impondo comportamentos perturbadores que, não raro, transferem-se de uma para outra existência, responsabilizando-se por distúrbios de diferentes matizes.

      Antes, porém, de seres repassados às futuras existências carnais, continuam vivos em imagens dolorosas na memória dos desencarnados, que não se deram conta do traspasse, mantendo-se em deplorável situação de aparente permanência no corpo.

      Repetem-se-lhes as imagens infelizes, num caleidoscópio sombrio, mantendo a confusão mental em decorrência da gravidade de que se revestiram.

      Permanecem, neste estado, por demorado período, aqueles que se comprometeram, até quando a Misericórdia Divina os desperta para novas condições de consciência.

      Se foram vítimas, não havendo sido responsáveis pela ocorrência lamentável, de menor duração é a perda do discernimento, porque, mesmo nesse caso, os impositivos da Justiça Soberana manifestam-se, convocando o antigo infrator ao ajustamento, ao equilíbrio de que se afastara pela prática de hostilidades e crimes vergonhosos.

      Quando, no entanto, são responsáveis, em face de conduta irregular que atrai outros companheiros moralmente semelhantes, o que resulta dessa convivência infeliz é mais grave, pela opção elegida, geradora da incúria em que se movimentavam.

      De qualquer forma, porém, a consciência de culpa resuma nos refolhos da memória, embora não identificando o fator causal responsável pela insegurança e sofrimento.

      Esse transtorno psicológico, portanto, tem sempre as suas raízes fincadas nas atitudes reprocháveis que o espírito se permitiu e das quais não conseguiu libertar-se, porque tem conhecimento de que as não deveria ter praticado.

      Dessa forma, quando na Erraticidade, padece os conflitos que acumulou após a prática do ato perverso e não se facultou reabilitação moral, através da reparação junto ao ofendido ou em relação à sociedade que poderia auxiliar no seu processo de evolução espiritual.

       Interiormente reconhece a justeza do sofrimento, inconscientemente sabendo que constitui instrumento de elevação. Equivoca-se, porém, na interpretação dos seus resultados, porquanto, a necessidade da reeducação não exige uma conduta de entrega inerme à dor, da qual não resultem benefícios e propostas de elevação moral.

      Sofrer pelo simples fato de sofrer torna-se fenômeno inócuo no processo de crescimento espiritual.

      Todo sofrimento deve fazer-se acompanhar de resultados opimos, aqueles que amadurecem o ser, que lhe ampliam os horizontes do entendimento, proporcionando serviço edificante, processo eficaz para contribuição em favor da humanidade que prossegue carente de entendimento, afeto e ajuda para o seu desenvolvimento ético e moral.

      O espírito cresce interiormente iluminando a consciência com as diretrizes do dever que lhe constitui o estímulo para desenvolver as aptidões internas, remanescentes das concessões do Criador, e que lhe cumpre vivenciar, a fim de que se lhe fixem como mecanismo de evolução.

      Dessa maneira, a culpa é uma presença que deve ser removida logo seja possível, a fim de que não se responsabilize por danos emocionais que devem ser evitados.

      À semelhança de um espinho cravado nas carnes da alma, exerce uma função de advertência, ao invés de uma presença punitiva, de forma que se desincumbindo do mister a que se destina, seja retirada da consciência, que se deve abrir à alegria da recuperação mental, colocando-se a serviço das aquisições de novas bênçãos.

      Tanto se pode proceder terapeuticamente em relação à sua libertação, durante a estância no mundo espiritual, pelo programar de novos compromissos edificantes e através do esforço em favor da correção da conduta, o que proporciona esperança e alegria, como transferir para as próximas reencarnações, quando se apresentará perturbadora em forma de conflito de mais difícil remoção.

     Tendo-se em vista que a vida é espiritual, cabe a todos o dever de autoconscientização de que, operando a partir do mundo causal em direção ao terreno, torna-se mais exequível a produção de valores saudáveis do que no sentido inverso.

      Desse modo, a educação dos espíritos desencarnados, conforme ocorre nas Esferas em que habitam, assim como através do intercâmbio valioso nas reuniões mediúnicas, é de valor inestimável pelos resultados obtidos.

     Esclarecidos a respeito das ocorrências inditosas e dos meios que se encontram ao alcance para o depuramento, toda uma programação bem elaborada é colocada a serviço da reabilitação pessoal, diminuindo a ocorrência de gravames afligentes no decurso da existência carnal.

      Nesse capítulo, ainda outro benefício se pode auferir, que é o de evitar mecanismos obsessivos, que resultariam da insidiosa presença da vítima que encontraria as tomadas morais na culpa, aplicando os plugues do ressentimento, da ira, do desforço a que invariavelmente se entregam os infelizes.

     Terapeuticamente, é um processo preventivo, libertador de mazelas, auxiliando o deambulante carnal no crescimento mediante conquistas e realizações edificantes, ao invés do cárcere sem grades dos resgates mais difíceis que terá de enfrentar...

      À medida que o espírito se depura, mais se lhe acentuam os conceitos morais e sociais, exigindo cuidados especiais na área do comportamento, a fim de serem evitados esses transtornos do arrependimento, em forma de culpa, da amargura, como efeito da ação perpetrada e de que agora se dá conta a respeito da sua inutilidade, tendo em vista as excelentes maneiras de avançar, gerando felicidade.

      Tornando-se mais exigente com a própria conduta, nessa fase é possível amar incondicionalmente, servir sem expectativa de retribuição, doar-se de maneira natural, sem que isso constitua sacrifício, enfim, ser útil em todas as circunstâncias do processo humano em o qual se encontra colocado.

      Embora a presença da culpa na consciência seja convite à recuperação moral e reeducativa do infrator, lamentavelmente tipifica estágio inferior em que o espírito transita, em face das concessões que se permite nos contínuos compromissos inditosos.

      Dia virá, na sociedade terrestre, em que a consciência de culpa será substituída pela consciência do dever, mediante cuja claridade será mais fácil a utilização dos instrumentos ao alcance para o processo de renovação interior, trabalhando em favor daqueles que foram prejudicados e contribuindo para a edificação de uma sociedade, uma cultura nobre, bem como de relacionamentos mais saudáveis.

      O tempo, portanto, que vige entre o erro w a sua recuperação está determinado pelo esforço do infrator que se conscientiza, assumindo a responsabilidade de mudança pessoal em relação a si mesmo e à vida.

      Os ponteiros do relógio das oportunidades sempre volvem aos mesmos lugares, porém, em circunstância e tempo diferentes, razão porque sempre devem ser utilizados os momentos que se fazem propícios para agir-se com acerto, equidade e respeito pelos demais.

      Evitar-se, pois, a presença da culpa na consciência é dever que a todos cumpre considerar, desde que não faltam serviços reparadores, oportunidades de procedimentos compatíveis com as leis estabelecidas e os Códigos Divinos vigentes no Universo.

      A disposição consciente para a recuperação pessoal é o primeiro passo para a libertação do conflito que se pretende estabelecer nos painéis mentais, gerando transtorno nas paisagens comportamentais.

      De grande significação terapêutica o ensinamento de Jesus, quando propõe àquele que se encontra em débito com o seu próximo, conclamando-o a que vá fazer as pazes com ele, antes de depositar a sua oferenda no altar, porque é mais importante a conquista do equilíbrio interior e da consciência de harmonia, do que a exaltação ao Senhor da vida, sem respeito pela sua criação, particularmente em relação àquele que é o seu irmão...

      Solicitar desculpas quando se erra, identificar o equívoco e reabilitar-se com naturalidade, contribuir em favor dos ideais de desenvolvimento da sociedade, trabalhar em cooperação com as obras edificantes, tornam-se recursos valiosos para a liberação da culpa decorrente dos processos equivocados que todos vivenciam durante a jornada carnal.

      Ninguém, à exceção de Jesus, consegue o êxito total no empreendimento da evolução, sem viver os diferentes estágios do erro e da correção, do crime e da reabilitação, em face das heranças que permanecem no ser que transitou pelas faixas primárias, que se caracterizam pela supremacia do instinto, do impositivo da cadeia alimentar que impõe a morte de umas em benefício de outras espécies.

      O leão que pretende dominar o grupo mata os filhotes da fêmea que pretende submeter porque não lhe pertencem, passando, então, a procriar os seus próprios, de forma a dar continuidade à espécie.

      Essa predominância da ferocidade transfere-se de uma para outra fase durante a cadeia de desenvolvimento antropológico, atingindo o período hominal com terríveis impulsos de destruir aquilo que não lhe pertence...

      Da mesma forma, quando a fera lambe o descendente em carícia não consciente, pode-se identificar a futura mãezinha osculando o filho do futuro. Nesse treinamento que exige incontáveis experiências evolutivas, o germe do amor está desenvolvendo-se e aprimorando-se até alcançar o patamar elevado de beijar os filhos de todas as mães, sem discriminação ou preferência.

      A consciência de culpa, portanto, tendo atendida a sua finalidade, dilui-se e transforma-se na alegria de o indivíduo reeducar-se e viver plenamente conforme os deveres que abraça, na sociedade em que se encontra colocado para evoluir.


MIRANDA, Manoel P. Reencontro com a vida. Salvador, Leal, 2006. p 183-8.






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