A individuação é a conquista mais expressiva do processo evolutivo do ser humano. Aparentemente se resume na vitória do selfem relação à sombra e ao ego, assim como à superação dos arquétipos responsáveis pelos transtornos emocionais e enfermidades de outra natureza que facultam ao ser humano a perfeita compreensão da vida e das suas finalidades.
É o momento quando a consciência toma conhecimento dos conteúdos inconscientes e prossegue realizando a sua superação, que consiste na integração dos arquétipos, a fim de que sejam evitados os conflitos habituais ou surjam novos.
Pode parecer difícil de acontecer, por exigir grande esforço de depuração da personalidade, elegendo-se os valores mais nobres do Espírito.
Em uma análise mais simplista, pode-se asseverar que a individuação é algo semelhante à autoiluminação dos místicos ou à conquista doreino dos céusproposta por Jesus, quando o indivíduo se liberta das exigências imediatistas do ego para se transformar em um oceano de amor e de tranquilidade, passando a vivenciar experiências emocionais superiores, sem tormentos nem ansiedades.
Os instintos permanecem como parte integrante do conjunto fisiológico, expressando-se nas necessidades primárias automaticamente sem os impulsos da violência ou os ditames das paixões asselvajadas.
Em diluindo-se a sombra, ocorre a harmonia do eixo ego-self, ao tempo em que outros arquétipos como a animae o animus, a persona, proporcionam equilíbrio psicológico, qual ocorre em Jesus, que é o modelo da verdadeira individuação.
É toda uma viagem realizada pelo selfintegrado, fulcro energético e central da personalidade.
Sendo o self o desenhador de toda a trajetória da existência humana, desde o período infantil que se manifesta nos períodos oníricos, nos quais se apresenta através de símbolos arquetípicos, é natural que haja uma grande ansiedade no paciente que deseja a integração no self, a autoconsciência, podendo orientar os arquétipos perturbadores que antes geravam os conflitos e os transtornos de comportamento por falta de conhecimento da sua realidade.
Todos podem alcançar esse momento culminante da evolução psíquica mediante o esforço que realizem para interpretar os símbolos e as angústias que lhe precedem à ocorrência.
Santa Tereza d'Ávila alcançou-o mediante os momentosos êxtases que a conduziram ai estado de plenitude, de iluminação interior, assim como São Francisco de Assis, ou Michelangelo ao terminar de esculpir a estátua de Moisés, que o deslumbrou a tal ponto que exclamou, emocionado:
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Parla!
Era tão viva a obra que faltava apenas falar, para se tornar um ser real...
Músicos e artistas de vária procedência, cientistas e mártires, filósofos éticos e místicos conseguiram essa integração perfeita, vivenciando o estado de plenitude que os acompanhou até o momento da desencarnação.
Normalmente, um psicoterapeuta experiente pode conduzir os seus pacientes ao momento culminante da libertação dos seus transtornos quando os leva à individuação, como estágio superior e culminante da saúde integral.
Jung logrou vivenciá-la, conseguindo individuar-se por meio dos métodos psicoterapêuticos por ele próprio elaborados.
O mestre suíço elucidou, igualmente, que é possível conseguir-se a individuação quando se logra a assimilação das quatro funções por ele descritas como sensação, pensamento, intuição esentimento. Nos seus estudos alquímicos comparou a meta da individuação ao que sucede com a Opus ou Grande obra que os alquimistas tentaram vivenciar.
É, portanto, um processo lento, contínuo e de elevação emocional.
Pode-se alcançá-lo também mediante a oração, os fenômenos mediúnicos e paranormais, as regressões psicológicas que conduzem à fase infantil ou mesmo uterina, assim como às existências passadas, a meditação, de forma que todos os conteúdos inconscientes geradores do medo e da ansiedade, das angústias e inquietações possam ser diluídos por intermédio do enfrentamento consciente, nada deixando de enigmático nos painéis do inconsciente que possa ressurgir de forma assustadora...
Essa conquista formosa torna o ser diferenciado, libertando-o dos clichês e das imposições sociais que sempre o escravizam, exigindo-lhe condicionamento, quando aspira por liberdade. Com essa conquista, o ser humano torna-se consciente de si mesmo, das responsabilidades que lhe dizem respeito no concerto da sociedade, encorajando-o para os ideais relevantes, embora raciocinando que novas situações difíceis surgirão, mas que poderão ser vivenciadas naturalmente.
A individuação pode ser também denominada, no seu início, de alguma forma como sendo a participation mystique, de Lévy-Bruhl. Na etapa final, situando-se o self como a Imago Dei, numa conquista de unidade, que não isola o indivíduo, antes, pelo contrário, favorece o seu intercâmbio com as demais pessoas que passa a ver de maneira diferenciada de quando havia o predomínio do ego.
É tão complexa que se pode afirmar que tem início, mas nunca termina, porque se trata da busca da perfeição, no relativo do mundo em que se encontra o ser humano.
[…]
Vencendo as diferentes etapas do desenvolvimento emocional, logo surgem os primeiros alvores da individuação, em decorrência da superação ou conscientização dos arquétipos que geram sofrimento.
As denominadas virtudes religiosas, que eram tidas como sendo heranças místicas, no momento da individuação adquirem o sentido de realização, quais o amor, que se transforma numa conquista relevante, indispensável para uma existência harmônica; a bondade, que multiplica os bens dos sentimentos elevados; a fé no futuro, como condição de estímulo – sentido e significado psicológico –para se prosseguir nas lutas naturais do processo evolutivo; a compaixão, em forma de solidariedade e de compreensão das aflições do próximo; a gratidão, como coroa de bênçãos por tudo quanto se conseguiu e pode realizar-se.
A gratidão, filha dileta do amor sábio, enriquece a vida de beleza e de alegria porque com a sua presença tudo passa a ter significação enobrecida, ampliando os horizontes vivenciais daquele que a cultiva como recurso de promoção da vida em todos os sentidos.
FRANCO, Divaldo Pereira Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis. Psicologia da Gratidão. Salvador, BA, Leal, 2011. p 240-4.