O
PRIMEIRO ACESSO AO INCONSCIENTE
[…]
O
verdadeiro processo de individuação – isto é, a harmonização
do consciente como nosso próprio centro interior (o núcleo
psíquico) ou self – em
geral começa inflingindo uma lesão à personalidade, acompanhada do
consequente sofrimento. Esse choque inicial é uma espécie de
“apelo”, apesar de nem sempre ser reconhecido como tal. Ao
contrário, o ego sente-se tolhido nas suas vontades ou desejos e
geralmente projeta essa frustração sobre qualquer objeto exterior.
Ou seja, o ego passa a acusar Deus, a situação econômica, o chefe
ou o cônjuge como responsáveis pela essa frustração.

Observamos
nos mitos que a magia ou o talismã capaz de curar a desgraça de um
rei ou de seu país são sempre alguma coisa muito peculiar. Em um
determinado conto, por exemplo, “um melro branco” ou “um peixe
com um anel de ouro nas guelras” podem ser os elementos necessários
para a recuperação da saúde do rei. Em outro, o rei vai precisar
da “água da vida”, ou dos “três fios de cabelo dourados da
cabeça do Diabo”, ou ainda da “trança dourada de uma mulher”
(e depois, naturalmente, da dona da trança). Seja ele qual for, o
remédio para afastar o mal é sempre único e difícil de ser
encontrado.
Acontece
exatamente o mesmo na crise inicial que marca a vida de um indivíduo.
Procura-se algo impossível de achar ou a respeito do qual nada se
sabe. Em tais momentos, qualquer conselho bem-intencionado e sensato
é completamente inútil – seja para que a pessoa se torne mais
responsável, para que tire umas férias, para que não trabalhe
tanto (ou para que trabalhe mais), para que tenha maior (ou menor)
tato humano, ou para que arranje um passatempo. Nada disso ajuda a
pessoa, a não ser excepcionalmente. Só há uma atitude que parece
alcançar algum resultado: voltar-se para as trevas que se aproximam,
sem nenhum preconceito e com toda simplicidade, e tentar descobrir
qual o seu objetivo secreto e o que vem solicitar do indivíduo.

(M
L Von Franz, O processo de individuação, in O
homem e seus símbolos (CGJung, org) Rio, Nova Fronteira, 2008. p
219-21)
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