terça-feira, 29 de novembro de 2011


AS QUATRO NOBRES VERDADES


      Se, agora, nos concentrarmos nos mecanismos das causas e efeitos referentes à nossa existência, naturalmente tomaremos nossa experiência pessoal como base para cultivar um entendimento mais profundo. Nesse contexto, os ensinamentos de Buda sobre as “Quatro nobres verdades” podem se mostrar extremamente úteis porque estão diretamente relacionadas à nossa própria experiência, especialmente ao desejo inato de buscar a felicidade e superar o sofrimento. Em resumo, o ensinamento de Buda sobre as “Quatro nobres verdades” nos leva: em primeiro lugar, a um profundo reconhecimento da natureza do sofrimento; depois, ao reconhecimento das origens do sofrimento; em seguida, ao reconhecimento da possibilidade da cessação do sofrimento; e, finalmente, ao reconhecimento do caminho que conduz a essa realidade.

      O budismo reconhece três níveis de sofrimento: o sofrimento do sofrimento, o sofrimento da mudança e o sofrimento difuso da existência condicionada. Com relação ao primeiro – o sofrimento do sofrimento -, até mesmo os animais são capazes de identificar essas experiências evidentemente dolorosas como indesejáveis. Assim como nós, eles mostram um instinto natural para evitar tais experiências e se livrar delas. Com respeito ao segundo nível de sofrimento – o sofrimento da mudança -, até mesmo os praticante não budistas podem cultivar com sucesso tanto o reconhecimento de que isso é indesejável como o desejo de se liberar dele.

      O sofrimento do condicionamento difuso é típico do budismo. Praticantes espirituais que desejam buscar a libertação total da existência cíclica devem desenvolver um profundo reconhecimento dessa forma de sofrimento. Precisamos cultivar a compreensão de que o sofrimento do condicionamento difuso não só age com base para a nossa experiência atual de sofrimento, mas, crucialmente, também serve como fonte de futuras experiências de sofrimento. Com base nesse firme reconhecimento de nossa existência extremamente condicionada como forma de sofrimento, devemos então cultivar o verdadeiro desejo de buscar a liberdade. Nosso sentimento de desejo de liberdade deve ser de tal modo poderoso que sintamos que essa existência condicionada deva ser uma doença grave, da qual desejamos ansiosamente nos recuperar o mais rápido possível.

      O que dá origem a esse terceiro nível de sofrimento, ou seja, o sofrimento do condicionamento difuso? O budismo identifica os dois elementos do carma e as aflições como verdadeiras origens do sofrimento. O carma nasce das aflições mentais, que são essencialmente de dois tipos: aflições conceituais, como pontos de vista equivocados, e aflições emocionais, como a luxúria, a raiva e a inveja. Nós nos referimos a elas como “aflições” (nyongmong, em tibetano) porque seu surgimento no coração e na mente imediatamente cria uma forma de aflição, caracterizada por um estado de profunda perturbação e intranquilidade, que conduz a outros níveis de aflição na mente e no coração, como ser atormentado pela tristeza, confusão e outras formas de sofrimento.

      Geralmente, todas essas aflições mentais são geradas por três venenos básicos que perturbam a mente – apego, raiva e ilusão. A ilusão é a base dos outros dois e de todas as nossas aflições e, no contexto do pensamento budista Mahayana, a ilusão se refere à visão equivocada que temos sobre a real existência das coisas e acontecimentos. Assim sendo, ao erradicarmos a ilusão – que é a causa de todas as aflições – poderemos lutar e dar um fim ao sofrimento e, dessa forma, alcançar a verdadeira liberação (moksha, em sânscrito).

      Em seus textos Fundamento do caminho do meio, o influente pensador budista de século 2° Nagarjuna explica que poderemos ver além de nossa ilusão e levar toda essa cadeia equivocada de causas e efeitos a um fim, somente se cultivarmos a compreensão quanto ao vazio do eu e dos fenômenos. Consequentemente, a compreensão do vazio combinada ao cultivo da paixão é a verdadeira essência da prática dos ensinamentos do Buda. Um praticante que se sente realizado e que alcançou a verdadeira cessação do sofrimento continuará a viver de acordo com esse princípio no mundo por meio de ações compassivas. Descrevo esse fato como uma atividade maravilhosa de alguém que compreendeu o vazio e se entrega a um comportamento compassivo.

DALAI LAMA. Iluminando o caminho. São Paulo: Ed. Fundamento, 2005. p 32-4




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