segunda-feira, 7 de novembro de 2011


CAPITULO III


KARMA YOGA – O RETO CUMPRIMENTO DA AÇÃO


1. Falou Arjuna, o príncipe pândava, a Krishna, o Senhor Bem-aventurado, dizendo:
“Ó Conferidor do Saber! Disseste-me que o conhecimento é até mais importante do que a ação: se assim é, por que me incitas à ação? Por que queres que eu entre nessa horrível batalha com meus parentes e amigos?

2. Tuas ambíguas palavras me trazem dúvida e me confundem o entendimento. Dize-me, peço-te, em frases claras e certas, qual é o caminho que me conduzirá à Paz e à Satisfação?”

3. Respondeu Krishna, o Divino: “Como já te disse, ó nobre príncipe, há dois caminhos que vão à Perfeição. O primeiro é o caminho do Conhecimento (Sankhya), e o segundo o da Ação (Yoga). Uns preferem o primeiro, e outros, o segundo desses dois caminhos; sabe, porém, que considerados do alto, ambos são um só caminho. Escuta!

4. Engana-se quem pensa que, esquivando-se das ações e persistindo na inatividade, escapa dos resultados da ação. Quem nada começa, não pode entrar no estado de Paz Eterna; a inatividade não conduz à Perfeição. E, na realidade, nem há coisas que se possam designar pela palavra inatividade; pois tudo, no Universo, está em atividade constante, e nada pode subtrair-se à lei geral.

5. Ninguém pode ficar inativo nem um instante; pois as leis de sua natureza o impelem constantemente a fazer alguma coisa, queira ele ou não; o seu corpo ou a sua mente, ou ambos, sempre estão ocupados.

6. Se alguém se assenta para reter e dominar os seus sentidos e os órgãos de atividade, mas, em sua mente, está apegado aos objetos dos sentidos, ilude-se e merece o nome de hipócrita.

7. Porém, é digno de ser chamado sábio e nobre aquele que sujeitou seus sentidos a Deus, pelo amor ardente do Altíssimo, e expressa o seu reto pensar em reta ação; ele cumpre o seu dever, sem esperar recompensas e, ocupando-se de objetos dos sentidos, não se deixa dominar por eles.

8. Faze bem o que te compete fazer no mundo; cumpre bem as tuas tarefas; ocupa-te da obra em que te encontras, para fazê-la o melhor possível: assim será muito bom para ti. Atividade é melhor do que ociosidade. A atividade fortalece a mente e o corpo, e conduz a uma vida longa e normal; a ociosidade enfraquece tanto o corpo como a mente, e conduz a uma vida impotente e anormal, de duração incerta.

9. Os homens estão aferrados a este mundo, porque agem com o fim de obter recompensas e ganho; estão apegados aos objetos de seus desejos, e, por isso, cansam-se na escravidão dos sentidos. Para se libertarem, hão de agir com resignação, movidos pelo puro amor ao Bem. Faze, pois, ó Arjuna! a tua tarefa, para cumprires o dever que o Eu Real te impõe, e não por qualquer outro motivo.

10. Lembras-te das doutrinas antigas que narram a criação do mundo, e as palavras que o Criador disse aos homens que tinha criado? Ouve, t'as repetirei:
“Pela adoração e pelo sacrifício mútuo, crescereis e vos multiplicareis. Pela resignação, obtereis a satisfação de vossos desejos.

11. Lembrai-vos da Fonte de todas as coisas, do Distribuidor dos objetos desejados. Pensai no que é Divino, para que o Divino pense em vós.

12. Se nutrirdes, com o sacrifício de vós mesmos, os deuses, eles vos darão o desejado alimento (espiritual). Quem recebe os dons dos deuses e não lhes mostra a gratidão, é como um ladrão.

13. Os bons homens que retêm para si só aquilo que resta depois de terem oferecido à Divindade tudo o que é divino, são livres de todos os pecados; porém, os maus que querem agir só para si mesmos, vivem em pecado.

14. Todas as criaturas (tanto as espirituais como as materiais) vivem, enquanto se alimentam. O alimento cresce com a chuva. A chuva é mandada pelos deuses em resposta aos desejos, às preces e às súplicas dos homens. Os desejos, as preces e as súplicas dos homens são formas de ações; e as ações procedem da Vida Una que tudo penetra.”

15. Sabe que toda ação tem sua origem em Brama. Brama é a revelação da indivisível Unidade. Por isso, Brama, que tudo penetra, é sempre presente nas tuas ações.

16. É vã e vergonhosa a vida do homem que, vivendo neste mundo de ação, tenta abster-se da ação; quem, gozando o fruto da ação do mundo ativo, não coopera, mas vive em ociosidade. Aquele que, aproveitando a volta da roda, em cada instante de sia vida, não quer pôr mão à roda para ajudar a movê-la, é um parasita e um ladrão que toma, sem dar coisa alguma em troca.

17. Sábio é, porém, aquele que cumpre bem os seus deveres e executa as obras que são para fazer-se no mundo, renunciando a seus frutos e concentrado na ciência do Eu Real.

18. Tal homem, elevado acima dos mundos, não se inquieta por saber se alguma coisa no mundo acontece ou não acontece; achando em si mesmo tudo de que precisa, não tem necessidade de refugiar-se em nenhum ser criado, para nele achar apoio. Participando de tudo e agindo, em tudo, de acordo com os ditames do dever, de nada depende, porque a sua fé, esperança e ciência se fixam no Imperecível, que é o único apoio seguro.

19. Faze, pois, o que deve ser feito; porém, sem egoísmo e sem considerações pessoais. Quem age assim e cumpre o seu dever, livre de motivos egoístas, e sem depender de alguém, caminha, com passos firmes, diretamente à Consciência superior, ao plano espiritual.

20. Janaka e muitos outros atingiram o estado de perfeição por meio de boas obras e reta ação. Trabalha, pois, também tu por amor à humanidade.

21. Quando um nobre homem faz alguma coisa, os outros o imitam; o exemplo que ele dá é seguido pelo povo. Segue, portanto, os melhores de tua raça.

22. Toma-me por exemplo, ó Príncipe. Nada há, no Universo dos Universos, que eu deseje ou que seja necessário que para mim não se faça; nem há coisa alguma atingível que eu não tenha já atingido. E, contudo, estou em constante ação e movimento, agindo sempre e incessantemente.

23. Os homens, ó Arjuna, seguem sempre o meu exemplo; por isso, se eu deixasse de ser ativo, esses Universos cairiam em ruína.

24. Se eu não agisse, começaria a reinar uma confusão universal, e a minha inatividade seria a causa da destruição do gênero humano.

25. Como os que carecem ainda da Luz Espiritual fazem esforços para alcançar o que desejam, sendo a esperança de recompensa o estímulo de suas ações; assim deve o homem desenvolvido e iluminado agir abnegadamente, pela causa do bem comum e conforme a Lei Universal.

26. Mas não deves confundir, em estas ideias, as cabeças dos homens inexperientes, cujo coração ainda está apegado às obras. Deixa-os fazer o melhor que podem; mas tu e os outros sábios devem agir em harmonia comigo, animando os outros à atividade, e dando-lhes o exemplo.

27. Toda a atividade e todas as ações provêm dos movimentos das forças da Natureza. O insensato, que é iludido pela presunção e vaidade, pensa que ele é o ator e diz: “Eu faço isto – eu fiz aquilo”.

28. Mas quem conhece a verdade, sorri, porque detrás da personalidade, enxerga a fonte real da ação, a causa e o efeito.

29. Entretanto, os que conhecem a verdade inteira, devem acautelar-se para não ofuscarem com ela o fraco entendimento daqueles que ainda não estão preparados para conhecê-la, porque as doutrinas prematuras poderiam confundir e desviar estes da sua atividade.

30. Tu, porém, ó Arjuna, liberta-te de todos os teus cuidados, de todo o medo e, igualmente, do egoísmo e das esperanças pessoais; em Meu nome (Krishna), faze tudo o que hás de fazer, concentrando todos os teus pensamentos no Altíssimo!

31. Os homens que, cheios de fé e confiança, seguirem estes meus ensinos e não tiverem dúvidas, alcançarão a liberdade também pelas obras e ações.

32. Porém, aqueles que rejeitam os ensinos da Verdade e agem contra eles, são insensatos e iludidos, e caem em confusão e inquietações.

33. Cada ser age em conformidade com a sua natureza; também o sábio procura o que se harmoniza com a sua própria natureza, de acordo com aquilo que é o mais alto do seu caráter.

34. Ninguém pode escapar às leis naturais. Os objetos sensuais são os senhores dos sentidos, e atraem ou repelem o coração dos homens, enchendo-o de afeição ou de aversão. Não te deixes dominar por nenhuma destas duas forças, porque ambas são obstáculos no caminho e o sábio as subjuga ambas.

35. Finalmente, lembra-te que é melhor cumprir a própria tarefa, ainda que seja humilde e insignificante, do que querer fazer a tarefa de um outro, por mais nobre e excelente que seja. É melhor morrer no cumprimento do seu dever, do que viver negligenciando-o e querendo fazer o que a outros compete fazer.”

36. Pergunta Arjuna: “Mas dize, ó Senhor, que força misteriosa é essa que, muitas vezes, parece obrigar o homem a praticar o mal, até contra a sua própria vontade?”

37. Explica Krishna: “Essa tentação, ó príncipe, é a essência dos desejos que o homem para si acumulou (Kâma). Ela é o seu maior inimigo, e chama-se Paixão; nasce da natureza carnal, cheia de pecado e erro, e ataca o homem para o consumir.

38. Como a fumaça envolve a chama, a ferrugem o metal, o útero a criança para nascer: assim o mundo é envolvido por este inimigo, chamado Desejo.

39. O Desejo impede o verdadeiro saber; ele é como um fogo devorador, difícil de extinguir-se.

40. Os sentidos e a mente são a sua sede; e, por meio deles, confunde o discernimento e obscurece o conhecimento da verdade.

41. Antes de tudo, deves, portanto, vencer esse inimigo de tua alma. Domina os teus sentidos e seus órgãos, e afugenta de ti esse gerador do mal.

42. Os sentidos são grandes e poderosos; porém, maior e mais poderosa é a mente; maior do que esta é a Razão, e o mais forte é o Eu Real, a Luz da Divindade (Âtmâ).

43. Reconhecendo, pois, o Eu Real como o Senhor mais poderoso, domina pelo seu poder o eu pessoal, e assim subjuga o monstro de desejo: esta tarefa é difícil, mas não é impossível. Combate o desejo, domina-o pela força da Luz Divina do Eu Real; não o deixes ser teu Senhor, mas reduze-o a ser teu escravo!”

BHAGAVAD GITA, São Paulo, Pensamento, 1993. p 43-53.

2 comentários:

Anônimo disse...

A Sabedoria do Desapego..."O reino da quietude que os sábios conquistam pela meditação é também conquistado pelos que praticam ações; sábio é aquele que compreende que essas duas coisas – a consciência mística e a ação prática – são uma só em sua essência." sda

Anônimo disse...

Ler é pouco.

"Meditando sobre a divina mensagem e vivendo-a no dia a dia,é que podemos superar e transcender."
(Prof.José Hermógenes de Andrade)
sda